quarta-feira, 27 de julho de 2011

O modelo liberal periférico e o endividamento crescente do Brasil (artigo 1)

Este é o primeiro de uma série de artigos que visa popularizar a informação sobre o modelo de inserção econômica do Brasil no mundo nos últimos 30 anos: o modelo liberal periférico.
Iniciarei tentando esclarecer o papel fundamental que a taxa de juros possui para a sociedade brasileira, sempre no âmbito da relações de poder existente entre grupos e classes sociais.


Lula, ao contrário da expectativa de um número recorde de eleitores que nele confiaram, em linhas gerais apenas deu continuidade ao modelo liberal periférico. Este modelo de gestão capitalista teve seu início tímido na transição da ditadura civil-militar para a redemocratização, ganhou traços mais nítidos com o governo Collor e fora plenamente robustecido nos anos de FHC (1995-2002).



Não raro todos nós ouvimos na mídia que a economia do Brasil vai bem e é confiável. Mas não nos é dito, por exemplo, que todos os anos fazemos um esforço tremendo para economizar muito dinheiro para pagar uma dívida enorme que explodiu nos últimos anos: a dívida interna. Eita economia confiável.


Vamos tentar esclarecer alguns pontos.




1) Divida pública (interna e externa) em termos genéricos e concretos para o Brasil.


1.1) Dívida interna. Refere-se ao total de débitos financeiros que o governo deve pagar em moeda nacional para bancos e outras instituições ou pessoas sediadas/residentes ou não no Brasil. A dívida interna brasileira, até o Plano Real (1994), era inexpressiva. Hoje está em torno de 2,5 tri R$ e grande parte dela é devida a instituições/pessoas estrangeiras (por isso o conceito de dívida interna deve ser usado entre aspas).







1.2) Dívida Externa. Refere-se aos compromissos financeiros que devem ser pagos, em geral, em moeda estrangeira (embora atualmente o governo permita, desde 2005, a compra em reais de títulos desta dívida). Ela pode ser pública (quando feita pelo governo ou empresas estatais) ou privada (realizada por empresas privadas, mas geralmente assumidas pelo governo federal). Historicamente a dívida externa, iniciada com o pagamento da "independência" (do digno de feriado Sete de Setembro), sempre foi um problema para a soberania nacional. Hoje a usa importância é secundária em relação à dívida interna, mas ao contrário do que diz a mídia, ela continua aumentando. O gráfico a seguir mostra uma evolução positiva da dívida interrompida pelo pagamento antecipado ao FMI no ano de 2005. O FMI é apenas um credor pequeno em relação aos demais credores brasileiros.




2) As instituições em questão. 


2.1) O COPOM e a SELIC. Os juros da dívida pública brasileira estão atrelados aos juros oficias da economia (a famigerada taxa SELIC, criada em 1999). Estes juros são decididos pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central do Brasil. O COPOM foi criado no governo FHC (1996) para estabelescer as diretrizes nacionais de política monetária e ditar as taxas básicas de juro da economia brasileira, ou seja, é o COPOM que detém o poder de decisão sobre os instrumentos fundamentais de economia brasileira.


2.2.) O Banco Central (BACEN) e o Ministério da Fazenda: uma dupla que deve estar afinada. O BACEN é uma autarquia criada em 1964 (no primeiro ano do golpe civil-militar) para ser a principal autoridade monetária no Brasil (como é na maior parte dos países do mundo). O seu presidente, indicado pelo presidente da república, é quem coordena o COPOM que estabelece a taxa SELIC. Junto com o ministro da Fazenda, o BACEN decide os rumos da política econômica do Brasil.


A pressão dos grandes credores internacionais e nacionais da dívida pública brasileira (e de muitos outros países devedores) impõe que este banco tenha uma atuação administrativa "independente" de outras esferas do governo que foi eleito pelo povo. Ou seja, exige-se que um dos cagos mais importantes da nação não esteja sob controle do próprio povo que lhe confere legitimidade.



3) Os juros e as suas consequências.

3.1) O juros e a dívida interna. Quanto mais elevados forem os juros, mais iremos pagar pelo dinheiro que pedimos emprestado. Lógico! Isto acontece porque quando pedimos dinheiro emprestado (para enxugar o excedente de dólares existente) à qualquer banco que opera no Brasil, nos emitimos um título da dívida (isto é, lhe passamos o popular “vale”) e o entregamos ao nosso credor com juros pós-fixados (se o juro aumentar, o título da dívida, mesmo adquirido antes do aumento do juro, também aumenta) e correção cambial. E o pagamento que faremos será feito com base na taxa básica de juros, a SELIC. Quando maior a taxa, mais deveremos pagar. Logo, por conseqüência, menos sobrará para investimento na economia (infra-estrutura econômica, infra-estrutura social, cultura, lazer, segurança, etc.). Nossos credores, os bancos, agradecem! A imensa maioria da população, sofre.


Então, todos os anos grande parte do Orçamento Geral da União (45% de todo orçamento em 2010. Trocando em miúdos: 635 bi de R$) é destinado para para pagarmos os encargos (juros, amortizações e refinanciamento) desta dívida trilhonária (superior a 2,5 trilhões de reais).








Mas como o povo está pagando esta conta? Você já ouviu falar no "superávit primário" ? 


Trata-se é um termo usado pelos economistas para definir o dinheiro que um governo economiza para pagar os juros de sua dívida. Trocando em miúdos: uma "bolsa banqueiro". Isso significa menos investimento na economia, menos crescimentos econômico, menos geração de emprego, etc. 


Mas como se geram os superávits primários?




(a) Com a exportação. Estamos exportando privilegiadamente produtos primários (como soja e minérios, de baixo valor agregado, isso que somos uma das maiores economias do mundo, imagine se não fossemos);





(b) Elevação de impostos. Encaminhando uma porcentagem criminosa dos elevados impostos que se paga (que deveriam retornar à população com investimentos em saúde de qualidade, escolas de qualidade, etc.) para este pagamento.









(c) Investindo menos em saúde, educação, infra-estrutura econômica, cultura, lazer, esporte, etc.




3.2) Mas por quê juros tão elevados? O discurso oficial. Dizem os técnicos oficiais, ancorados na teoria econômica ortodoxa, que uma elevação na taxa básica de juros teria um impacto anti-inflacionário na medida em que freariam a demanda (o consumo) frente a uma capacidade produtiva relativamente menor da nossa indústria e agricultura. Mais consumo e menos oferta = inflação!
Então, a tese dominante é a de que a essência do risco de inflação no Brasil está intimamente ligado à demanda! E o remédio, amargo, é o aumento dos juros.



Apesar de mostrar uma tendência geral de decréscimo, a nossa taxa de juros continua a maior do mundo e penalizando a sociedade brasileira.


3.3.) Que efeitos geram os juros elevados? Além de aumentar o montante que devemos pagar aos nossos credores, os juros elevados contraem a atividade produtiva de nossa economia. Assim a economia cresce pouco (em relação ao seu potencial) fazendo que os níveis de emprego diminuam, fiquem próximos da estagnação ou cresçam muito aquém das capacidades reais. Crescer pouco penaliza a maior parte da população que, por ser trabalhadora, depende de uma economia pujante. O Brasil, o país mais desigual do mundo, não tem mais o direito de crescer a taxa inferiores ao que seria um crescimento chinês, por exemplo. Precisamos urgente erradicar a fome, a miséria, o analfabetismo, a ignorância, a desqualificação, etc.


Ao invés de apresentarmos um crescimento robusto em elevados patamares, sustentável ano após anos, temos um crescimento pífio, vulnerável, em "vôos de galinha".






Um problema adicional é que os bancos podem se recusar a realizar empréstimos ao setor produtivo em períodos de redução das taxas visando um posterior aumento. O setor produtivo, em conseqüência, não tem condições de pedir empréstimos para aumentar a produção que poderia se igualar à demanda (para afastar o risco de inflação) e aumentar o nível de emprego (o que redistribuiria mais renda).


Assim, em nome da contenção da inflação, a economia cresce pouco em comparação a sua potencialidade e gera menos empregos do que deveria. Além disso, coloca a sociedade toda em estado de alerta geral permanente em relação à inflação na medida em que não são atacadas as causas e sim os efeitos da inflação.





4) As relações de poder escondidas por trás do discurso técnico oficial e hegemônico.

4.1) A apropriação ideologica dos juros sobreposta à gerência técnico-científica e soberana da nossa econômica. Os detentores do poder político nos níveis nacional e internacional sentenciam que juros altos são necessários para conter a inflação. Sua retórica é facilitada pelo pavor do brasileiro ao retorno da hiperinflação dos anos 80 e 90 e pela cumplicidade dos grandes oligopólios da informação brasileiros.



A origem robustecida deste ciclo está na imposição do FMI (banco cujo maior acionista é os Estados Unidos) ao Brasil quando do empréstimo de 1998: o regime de “Metas de inflação”, atualmente situado em 4,5% ao ano. E para conter a inflação, você já sabe o "remédio" destes "médicos": elevação dos juros.

Ora, mas se os próprios dados do IBGE indicam, por exemplo, que a inflação de janeiro à abril de 2011 não teve como principal causa a demanda do consumidor e sim na elevação de preços do alimentos (por problemas de oferta) ou preços administrados pelo governo (taxas de saneamento e serviços públicos básicos, gasolina, telefonia, serviços bancários, etc.). 
Quer dizer, a nossa inflação não é gerada por excesso de demanda! É uma inflação essencialmente de preços! Então, se a explicação técnica é incorreta, os “competentes” “técnicos” à “serviço da nação” são muito, na verdade, incompetentes?

4.2) As relações de poder em relação ao comando da economia do Brasil (uma breve abstração). A resposta à pergunta anterior é NÃO. Não existe incompetência quando não se está preocupado com uma gerência que vise o desenvolvimento do país e um fortalescimento de sua população.

O que se está buscando preservar a todo custo é o Brasil enquanto palco internacional de acumulação especulativa fácil para o hegemônico capital financeiro.

A administração econômica do Brasil deve ser encarada no âmbito da luta de classes pelo controle das decisões econômicas fundamentais do Estado brasileiro: se ele estará a serviço de todos ou à serviço das burguesias (nacional e internacional, em geral associadas) rentistas e megacorporativas.



4.3) A CPI da dívida comprovou a farsa. E nada foi feito! Bom, é provável que você não saiba que o processo criminoso de endividamento brasileiro foi recentemente investigado por parlamentares. Seu relatório final foi publico no ano passado. Notícias importantes como esta não saudáveis aos olhos dos grandes oligopólios da informação, atrelados aos interesses financeiros.

A CPI buscou realizar um inventário do escandaloso crescente endividamento recente do Brasil. Três indagações, ao meu ver centrais, foram colocadas:

(a) Como é que pode um país ficar tão endividado e os serviços públicos e a infra-estrutura econômica não melhorarem? Endividar-se não é necessariamente ruim. Pode ser um meio de concretizar um planejamento que seria impossível sem recorrer à empréstimos. Estudam-se as necessidades reais, estuda-se onde captar estes recursos calculando o melhor custo-benefício e planeja-se como irá pagar.
Resultado da investigação: a nossa dívida pode ser traduzida metaforicamente como alguém que tira dinheiro do cheque-especial (que cobra mais de 100% ao ano) e coloca-se na poupança (que rende juros de 6% ao ano).

(b) O que faz a dívida aumentar? O gasto com a seguridade social (saúde, assistência social e previdência)? Com o funcionalismo público? Com saúde, educação e outros gastos sociais? Essa é a tese daqueles que hegemonizam o controle político da economia.
Resultado da investigação: a prática de "juros sobre juros" é quem está aumentando a nossa dívida e não os com seguridade e funcionalismo.

(c) Que parâmetros o BACEN utiliza para elevar os juros? Segundo o próprio BACEN, não existe um método científico, apenas uma consulta a analistas de mercado "independentes" (95% deles pertencentes ao setor fincanceiro).

Segue o link de um dos encontros da CPI da dívida pública. O economista Paulo Passarinho (também apresentador do programa de rádio que eu indiquei: http://www.programafaixalivre.org.br/) debateu com nada mais, nada menos que Armínio Fraga, um dos responsaveis por este modelo liberal periférico. Confira!


Em seguida um outro vídeo: a economista Maria Lúcia FattorelIi fala sobre a CPI da dívida e o processo de endividamento







4.3) As relações de poder e o BACEN (o caso concreto). A correlação de forças está tão desfavorável para aqueles que sonham com um Brasil mais justo, solidário e igualitário, que quando um militante sindical dos mais importantes na história global e uma ex-guerrilheira de esquerda assumem o cargo executivo mais alto da nação, ambos simplismente comprometem-se a manter a subserviência nacional. Como isso acontece? De várias maneiras. Uma delas, fundamental e que atesta muito bem o fato, é: ambos nomearam para presidente do Banco Central homens "confiáveis" e "independentes". Homens que não fazem os investidos estrangeiros (e nacionais) terem medo de evacuar seu dinheiro do dia para a noite por medo de criar riscos para o capital especulativo. Resumindo: homens que mostrem para o mundo que somos um país sem risco para quem quer enrriquecer fácil às custas da nossa economia. É este o chamado Risco Brasil. Não é o risco de a população do país passar por mais carestia ainda. É o risco do investidor. Daí a necessidade de, à frente de um banco central, estar um "confiável": permitir a maior remunação e sem perspectivas de calote por parte do Estado.



4.4) Confiáveis sim, independentes não! Para comprovarmos o grau de confiabilidade dos cavalheiros presidentes do BACEN basta que possamos recorrer à trajetória de cada um: todos ligados à grupos finaceiros privados. Vou citar apenas os três últimos presidentes do BACEN (poderia também colocar na lista os últimos ministros da Fazenda, de igual confiabilidade como Pedro Malan e Antônio Palocci). 


Armínio Fraga. Foi presidente do Banco Central do Brasil de 1 de março de 1999 a 17 de janeiro de 2003 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ocupou durante seis anos o cargo de diretor-gerente da Soros Fund Management LLC em Nova Iorque. Atualmente é membro do conselho de administração do Unibanco, hoje pertencente ao Itaú, um dos maiores beneficiários dos elevados juros.


Henrique Meirelles. Ex-deputado federal de Goiás pelo PSDB no governo LULA entre 2003 e 2011. PSDB? Mas como? Este não o partido do grande rival do PT em nível federal? Isso é um deboche com o eleitor. Sua carreira esteve ligada a altos cargos da administração da corporação financeira Bank Boston que também lucra muito com as nossas elevadas taxas de juros.

Alexandre Tombini. Escolhido pela presidenta Dilma. Formou-se bacharel em Economia pela Universidade de Brasília. É Ph.D no assunto pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. É funcionário de carreira do BACEN. Segundo Luiz Gustavo Medina, economista da M2 Investimentos, o fato de ser um funcionário de carreira indica que Tombini deve dar continuidade à política monetária, o que gera tranquilidade no mercado (Isto é on-line. 23.11.2010). Ai ai.

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