domingo, 8 de janeiro de 2012

O MLP (Parte 3.1): o Plano Real e a inflação crônica


Este texto é mais uma parte integrante de uma série de artigos que eu estou escrevendo sobre o chamado modelo liberal-periférico, um modelo econômico assumido pelo capitalismo "brasileiro" após a década perdida de 1980 quando o nosso país, assim como outros no mundo, viram-se no interior de uma profunda crise econômica após algumas décadas de crescimento econômico puxado por um processo industrialização.

O que é inflação?



Existem várias definições a respeito da inflação, mas a mais simples e clara define-a como a elevação contínua do nível de preços, isto é, uma taxa contínua de crescimento dos preços num período determinado (Moran e Witte, 1993: 120).

A inflação pode ter várias origens:  
  • o excesso de demanda sobre bens e serviços ofertados (sendo então uma inflação de demanda);  
  • quando existe uma elevação de salários, lucros ou de matérias-primas (temos agora uma inflação de custos);  
  • quando existe um processo inflacionário relacionado não à fatores eventuais ou momentâneos da econômica, mas sim por razões da própria estrutura desta economia a inflação estrutura);  
  • e por fim, aquela inflação derivada da expectativa, no presente, de os preços seguirão aumentando no futuro (inflação inercial). No contexto da inflação inercial, as pessoas/empresas, na medida em que aprender a conviver com a inconstância dos preços, passam a reajustar os preços daquilo que vendem com base no que esperam para o futuro. Esse reajuste chama-se indexação.
A teoria da inflação inercial, segundo o economista, administrador e ex-ministro de Estado (em 1987, no governo Sarney) Bresser Pereira foi desenvolvida durante a década de 80 por dois grupos de economistas brasileiros: o grupo da PUC-RJ e o da Fundação Getúlio Vargas (grupo o qual Bresser está incluso).


O Brasil e a inflação

O processo de modernização do capitalismo periférico aqui no Brasil esteve intimamente ligado a inflação e ao endividamento externo. O Brasil usou e abusou destes dois mecanismos de financiamento para montar o nosso parque industrial. Mas vamos nos manter focados na inflação.
Como é que um país pode financiar pesados investimentos econômicos utilizando-se da inflação? Simples: expandindo-se a base monetária, isto é, aumento o meio circulante ou, saindo do economês, imprimindo moeda. O exemplo mais notório disso foi a política emissionista de Juscelino Kubitschek durante o Plano de Metas. Resultado? Pense: tendo mais meio circulante no mercado (quer dizer, mais moeda), obviamente que os atores econômicos da produção e do comércio irão subir os seus preços, pois o governo está imprimindo dinheiro! Viva!
No final da década de 70 o problema inflacionário começa tornar-se preocupante até o atingir o limite crônico. A década de 1980 é rica em tentativas de interpretar o processo brasileiro de inflação. Foi nestes anos que surge tanto a teoria da inflação inercial como os planos de combate a inflação que irão culminar com o Plano Real em 1994.






(A inflação elevada antes do lançamento do Real)

É lógico que o financiamento inflacionário não fora algo decidido meramente de maneira técnica. Novamente devemos compreender as relações de poder deste contexto. Ausentes eram outros meios de financiamento: poupança existente, formas de captação de recursos privados, realização de poupança forçada através de uma reforma tributária que captasse o dinheiro da arrecadação de impostos, etc. Diante destas ausências era desfavorável a correlação de forças políticas capazes de criar tais meios de financiamentos. Sendo assim, usou-se a inflação.

Inflação e os trabalhadores

Os resultados da inflação são nefastos para aqueles que vivem do salário, ou de maneira mais genérica, do trabalho. A classe que vive do trabalho seu salário sendo engolido em fatias cada vez maiores pela alto dos preços. Pior: ela não possui poupança com correção monetária e nem investimentos lucrativos em outras esferas da econômica que lhe dêem suporte na inflação. Sendo assim a inflação, ao corroer os salários, atua como se fosse um imposto sobre os salários e esseimpostotente a ampliar a concentração de renda.
Logo, a classe trabalhadora organizada tende a fazer greves reivindicando aumentos salariais para compensar a perda do próprio poder aquisitivo. Eis o motivo, por exemplo, do aumento anual de greves durante o governo JK. Aumentava a inflação, aumentava o número de greves: de 15 em 1956 esse número vai crescendo até chegar em 68 em 1960. Tal fato ajudou a elevar a concentração de renda no país.
Na tentativa de realizar determinadas reformas no capitalismo brasileiro então em crise e buscar estabilidade frente ao problema inflacionário o governo civil-militar lançou o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo). Por meio deste plano, o governo civil militar evidenciava o seu caráter conservador. Operou um verdadeiro arrocho salarial colocado em prática pela nova fórmula de cálculo do salário então adotada. Tal fórmula previa elevações salariais de acordo com a estimativa para o doze meses subsequentes. Como tais estimativas estavam sempre aquém das reais, os reajustem salariais também estariam (OLIVEIRA, 1981:41). Este quadro de arrocho seria completado com os aparatos de repressão ao mundo do trabalho. Cerca de mais de 500 sindicatos sofreram intervenção e neles foram colocados como líderes interventores nomeados pelo governo autoritário (SEGATTO, 1987:57).
Ainda durante a ditadura civil-militar, no governo Figueredo, muitas greves de trabalhadores eclodiram no Brasil. O governo do general João Figueiredo quis impor um arrocho salarial durante todo o ano para o País cumprir o acordo assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Neste contexto ganhou destaque as greves do ABC onde ganhou amplo destaque o líder sindical, que chegou a ser preso, mundialmente conhecido como LULA.



(Documentário ABC da Greve de Leon Hirszman, 1990)

(Documentário Linha de Montagem de  Renato Tapajós , 1983)


A justificativa do plano perante a sociedade

O plano Real é o último grande plano econômico de vulto pelo qual passou a nação brasileira e o único que conseguiu cumprir o objetivo cujo o qual discursava: acabar com a inflação. Tal plano faz parte de um conjunto acumulado de esforços de combate a um processo de inflação inercial que tornaria crônica (ou hiperinflacionária dependendo do autor) que acometia o Brasil desde finais da década de 70.
Com a redemocratização em 1985 vários planos econômicos de combate à inflação foram tentados: Plano Cruzado I, o Plano Cruzado II, o Plano Bresser, o Plano Verão, o Plano Collor I e o Plano Collor II. Todas essas tentativas tiveram poucos meses de duração, sequer conseguindo chegar ao primeiro aniversário. A sociedade brasileira estava farta de inflação e por isso aceitou as medidas econômicas de manutenção artificial do sucesso do Plano Real em termos de manter a inflação em patamares inferiores.
Podemos verificar o pavor dos trabalhadores e das donas de casa dos lares mais empobrecidos ou da classe média quando do Plano Cruzado que ao decretar o tabelamento de preços bem como o seu congelamento conclamou a donas de casa para fiscalizarem os estabelecimentos comerciais para que o plano não fosse burlado. Nascia assim as(os) fiscais do Sarney.






(Plano Cruzado descrito no Documentário Laboratório Brasil da TV Câmara, 2007)

O surgimento do plano

O plano foi elaborado por uma equipe de economistas (Persio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha, Clóvis Carvalho e Winston Fritsch entre outros) quando do mandato presidencial de Itamar Franco que havia assumido o cargo executivo federal após o impeachment de Fernando Collor de Mello. Em maio de 1993 Franco então anuncia para a cadeira do Ministério da Fazenda o renomado sociólogo, e à época senador pelo PSDB, Fernando Henrique Cardoso (mais conhecido como FHC). Caberia à ele reunir um corpo técnico capaz de acabar com a inflação.
FHC, mesmo durante a execução das etapas do Plano Real, em março de 1994 deixa o cargo para preparar-se à candidatura à presidência da república que será levada com facilidade no primeiro turno por conta do prestígio ganho por FHC que o sucesso inicial do plano havia mostrado perante a sociedade.


O Plano Real e as eleições de 1994

O Plano Real fora antecipado para logo tentar mostrar os seus efeitos benéficos à população por conta das eleições presidenciais de 1994 que contava como um dos seus candidatos FHC.

Então a URV, que objetivava alinhar os preços e acabar com a inércia inflacionária em um período previsto de um ano ou um pouco mais para preparar o terreno para o lançamento do real, teve seu período de vida encurtado: o real precisou ser logo lançado. A cédula do Real chegou mesmo a ser assinada por FHC à revelia da Constituição Federal, visto que este não era mais ministro. Isso não importava àquelas alturas. Seu surgimento gerou uma euforia ao desencadear rapidamente todo um consumo reprimido.

E foi justamente esta popularização do consumo que tornou a candidatura presidencial de Fernando Henrique Cardoso imbatível no pleito de 3 de outubro de 1994. (BARROS, 2002, p.191 in Louro e Mota, 2004: 6)

Mas ainda temos que dobrar as nossas atenções neste caso. A vitória eleitoral de FHC soa para aquele leitor atento, e nem poderia ser diferente, como uma boa recompensa pelos serviços prestados ao FMI. O futuro presidente fora pessoalmente aos EUA negociar com os credores e se mostrar dócil e prestativo.

O diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, declarou que estava impressionado com as providências que já haviam sido tomadas e prometeu cooperar intimamente com o governo. (Chossudovsky, 1999: 1777)




Fica muito evidente que a campanha de FHC fora amplamente alavancada pelos efeitos visíveis no bolso da sociedade e pela colaboração de que o FMI tanto gosta. Não é difícil imaginar que FHC contou com aportes milionários em sua campanha que também contou com verbas escusas.

A campanha eleitoral que elegeu o presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994, também movimentou recursos por meio de um caixa-dois.
Uma planilha eletrônica da sua primeira eleição à Presidência mostra que pelo menos R$ 8 milhões deixaram de ser declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na ocasião, o que é ilegal.

E não era para menos. Lula despontava como um forte candidato. Mas é bom lembrar que Lula ainda vivia a sua primeira versão: sindicalista combativo, crítico do regime econômico elitista vigente. Isso atemorizava o empresariado nacional e internacional. Por isso foi preciso agir logo.

Setores tradicionais, temerosos do avanço da esquerda, empresários que vislumbravam a superação do modelo econômico estatizante brasileiro e segmentos reformistas que apostavam na inclusão do Brasil na nova ordem mundial, formalizaram um novo bloco hegemônico, contando com o aval espontâneo de ampla parcela da população de menor renda, levada, pela primeira vez em gerações, ao usufruto do paraíso do consumo. (BARROS, 2002, p.191 in Louro e Mota, 2004: 6)






As fases de implementação do Plano Real

Fase. Ajuste Fiscal.

Tal ajuste fora realizado através de 3 mecanismos básicos conforme Louro e Mora (2004):
(1) corte de 7 bilhões de US$ do orçamento (foi o Plano de Ação Imediata);
(2) amento de impostos através da criação de um imposto provisório sobre transações financeiras que abocanharia 0,25% do valor da transação; e
(3) a criação do FSE (Fundo Social de Emergência) com o objetivo de sanear as contas públicas, o que significa, na realidade, colocar como fonte de financiamento deste fundo as verbas do orçamento (oriundas de 15% dos impostos arrecadados) que deveriam ser destinadas aos gastos sociais (saúde, educação, etc.) e também as verbas que seriam economizadas com a demissão de funcionários públicos. Uma afronta a Constituição Federal de 1988 e à soberania do país.

Destino da enorme economia feita com o ajuste fiscal? O pagamento do serviço da ilegítima dívida brasileira. Os credores agradecem!

Fase. Indexação monetária.

Com a publicação da Medida Provisória nº 434 no Diário Oficial da União estava oficialmente lançado o Plano. Esta MP criava a Unidade Real de Valor, a URV que não era uma moeda, mas uma referência monetária preparatória para o lançamento da nova moeda, o real. Uma URV seria igual a 1 US$ e a CR$ 2.750,00 (cruzeiros reais).

Existia inflação em cruzeiros reais, mas não em URV, que tinha o valor fixo em US$ 1.00. A partir de então, os agentes econômicos passaram a formar preços em URV, pois precificar em URV era o mesmo que precificar em dólar, que é uma moeda absolutamente confiável. Desta forma, os preços relativos iniciaram o processo de alinhamento, a partir de fevereiro de 1994.
(Louro e Mota, 2004:).

A URV objetivava alinhar os preços e acabar com a inércia inflacionária. Imaginava-se um período de cerca de um ano ou um pouco mais para isso.

Fase. A nova moeda.

O lançamento da nova moeda não mais corroída pela inflação em 1° de julho: o real. O real fora lançado com uma paridade muito apreciada, ou seja, o valor da nossa moeda em relação ao dólar estava tão elevado que nos primeiros momentos do plano 1 dólar compraria apenas pouco mais de 80 centavos de real.
A inflação continuou, mas em queda. Do patamar de 40% ao mês no primeiro semestre despencou para 3% no segundo. 

Bibliografia

BRESSER PEREIRA, Luis Carlos. Inflação inercial e o Plano Cruzado. Revista de Economia Política, v.6, n°3, julho/setembro, 1986. Disponível em: http://www.rep.org.br/pdf/23-2.pdf

BRESSER PEREIRA, Luis Carlos. A Teoria da Inflação Inercial Reexaminada. In José Marcio Rego, org. (1989) Aceleração Recente da Inflação. S.Paulo, Editora Bienal: VII-XXII. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/1989/96InflacaoReexaminada.pdf

OLIVEIRA. Fabrício Augusto. A reforma tributária de 1966 e acumulação de capital no Brasil, 1981. Brasil debates, n°3.

SEGATTO, José Antonio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

MORAN, Carlos A. Azabache; WITTE, Gilson. A Conceitualização da inflação e uma análise dos Planos Econômicos Brasileiros de 1970 a 1990. In: RevistaTeor. Evid. Econ., Passo Fundo, Ano 1, n.1, p.119-141, março 1993. (p. 119-141).

CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da Pobreza. São Paulo: Moderna, 1999.

LOURO, Gilmara Gerheim Louro; MOTA, Márcia Medeiros. Plano Real: Um estudo introdutório sobre o controle da inflação e suas conseqüências sócio-econômicas, no período de 1994-2002. In: Revista Eletrônica de economia, Juiz de Fora, n°4, setembro de 2004. Disponível em: http://www.viannajr.edu.br/revista/eco/edicoes.asp

BACHA, Edmar L. O Plano Real e Outras Experiências Internacionais de Estabilização. Plano Real: uma segunda avaliação. Brasília, Fevereiro, 1997. Disponível em: www.ipea.gov.br/pub/livros/planoreal.pdf

FERNANDES, André Eduardo da Silva. Distribuição de renda e crescimento econômico: uma análise do caso brasileiro. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/artigos/economicas/DistribuicaodeRenda.pdf



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