segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O MLP (Parte 3.2): O Real, seus segredos e suas consequencias

Os obscuros objetivos do plano: a essência do Real

Não podemos negar a eficácia do Real ao que ele abertamente se propunha: a inflação caiu rápido como se fora golpeada de maneira brutal na boca do estômago, caiu e por lá ficou. A classe trabalhadora sentiu-se com mais dinheiro no bolso e a classe média viu reacender o seu sonho de galgar mais posições na pirâmide social. As pequenas elevações inflacionárias do século XXI no Brasil nem de longe se comparam àquelas pré-Real.

Mas esse foi o objetivo proclamado do real. Mas qual a é filosofia por trás do Plano Real? Quais as implicações e ações decorrentes desta visão filosófica?

Conforme Gustavo Franco, um dos ideólogos do Real,

Desta forma, o modelo econômico antigo, de um lado, nos legou um parque industrial de grandes proporções, mas eivado de ineficiência e de relações incestuosas com o Estado, e de outro, uma espécie de apartheid social, cujas raízes são eram duplas: produtividade do trabalho estagnada e tributação do pobre através da inflação.
A definição de um novo modelo econômico teria de contemplar as seguintes questões: (i) como crescer sem inflação? (ii) como reverter a desigualdade criada pelos sacrifícios para industrializar o Brasil?
(Franco)

Ou seja, o Plano Real buscava colocar o país em um novo caminho de crescimento econômico onde pudesse crescer sem inflação, aumentando a eficiência da indústria e diminuindo a concentração de renda. Para isso deveria atacar o modelo econômico antigo que vigorou entre 1930-80.

De acordo com André Eduardo da Silva Fernandes,

A visão filosófica do “Plano Real” dizia que combater a inflação significa alterar a estratégia de crescimento econômico autárquica e protecionista que estava exaurida em seus instrumentos e formas de financiamento e que a manutenção da economia fechada e sujeita a protecionismo preserva o poder de mercado dos monopólios e impede o desenvolvimento tecnológico. (Fernandes)

Então, fica muito clara a filiação, daqueles que articularam o Plano Real, daquilo que podemos identificar com neoliberalismo. Os economistas em questão entendiam que, sendo o capitalismo vitorioso (o final da Guerra-Fria é recente) e cada vez em maior expansão através do fenômeno da globalização, deveria o Brasil tentar enquadrar-se se levando em conta a nossa situação periférica.

O Plano Real seria o início de uma grande política que, partindo do controle inflacionário, envolvia uma arsenal de ajustes da economia do Brasil visando colocar a nação brasileira nos trilhos de um neoliberalismo sob tutela das estruturas hegemônicas de poder (FMI, Banco Mundial, etc) que, como todos nós sabemos, são controladas pela potência hegemônica, os Estados Unidos da América. Em suma, o real é a consagração do neoliberalismo que se ensejava timidamente no Brasil desde o final da ditadura militar.

Não há como compreender o sem levá-lo em conta como um plano que visa tornar a economia brasileira estável diante do processo de globalização comandado pelo imperialismo norte-americano que objetiva, sempre, manter países periféricos dominados. Não podemos “sacar” o Real apenas por nós mesmos, ou pelas idéias acadêmicas dos tecnocratas brasileiros. Ela faz parte do processo incessante de lutas de classes e está inserido no contexto das relações de poder e dominação existentes no sistema-mundo.

É preciso lembrar que o FMI a muito monitorava a economia brasileira. Este monitoramento fica mais evidente na crise dos anos 80 em diante onde, em todos os esforços de ajuste econômico tentados no Brasil contam com a presença do FMI.

Dentro de tais constatações, as grandes realizações econômicas pelas quais o Brasil passará são:

·   Privatizações de empresas estatais, o que aconteceu de forma corrupta e extremamente lesiva à soberania nacional e aos interesses do povo brasileiro;
·         Abertura econômica nos campos comercial, produtivo, tecnológico e financeiro;
·        Redução de gastos do Estado com infra-estrutura social básica e financiamento de programas emergências assistencialistas que, aos olhos das contas públicas, são muito mais baratos e devem acalmar a agitação social.

As (artificiais) medidas macroeconômicas contidas no plano

A Primeira fase (1994-99)

(1) O uso da taxas de câmbio através da âncora cambial.


Mas antes de explicar a taxa de câmbio no Real, vamos tentar compreendê-la um pouco mais.



OBS: veja na sequência o que significam transações correntes e balança de pagamentos.

A ilusão propagada da moeda forte brasileira garantida pela paridade entre real e dólar que, de 0,8 R$ = 1 US$ evoluiu logo à para 1 R$ = 1 US$ foi garantida artificialmente pelo Banco Central do Brasil com reservas em dólar conseguidas anteriormente com saldos comerciais. Entre 1991 e 1994 o país havia acumulado cerca de 40 bilhões de US$ em reservas.
O mecanismo assim funcionava: quando cresce a demanda por mais dólares, o que ameaça desvalorizar o real, o BACEN queima sua reservar em dólar, ou seja, vende dólares. O contrário também é verdadeiro. Assim ele força a manutenção da paridade.
Na verdade o real flutuou frente ao dólar, mas de maneira administrada pelo governo que estipulava um sistema de bandas cambiais, isto é, intervalos entre os quais o real poderia flutuar frente ao dólar. Isso ocorreu após a crise mexicana de 94 que acabou por fazer os capitais transnacionais que aqui entraram saíssem por medo que a economia brasileira se contagiasse e não conseguisse remunerar este capital. Foi o "efeito tequila" que fez o Risco-Brasil (olhar nos primeiros artigos sobre o MLP) se elevasse como mostra o gráfico que segue.


Pode-se notar no primeiro gráfico que o Real estava próximo à paridade 1 para 1 entre 1994 e 1999.



Porém, se ampliarmos o nível de detalhamento da análise, notaremos uma variação do real. 



Veja agora a flutuação do real de acordo com a bandas cambiais estipuladas pelo BACEN a partir de 1995 por conta do "efeito tequila". Notamos uma gradual desvalorização do real para tentar prejudicar menos o setor exportador. Mas, como se percebe, foi uma desvalorização muito tímida que pouco ajudou o exportadores.


(2) Abertura econômica na esfera comercial

Com o câmbio valorizado fica ruim para o exportador brasileiro colocar o seu produto de forma competitiva no mercado internacional, pois a nossa moeda é muito cara. Em contraposição as importações de produtos e serviços ficam baratas.
O plano visava estimular as importações por mecanismos de abertura ainda maior da nossa economia. O produto importado deveria ter seu ingresso facilitado no Brasil, de acordo com os ideólogos do plano, para aumentar a oferta de produtos contribuindo para manter a inflação em baixos patamares e secundariamente forçar a indústria brasileira a buscar um aumento de sua eficiência diante da concorrência do produto importado. O resultado natural foi um rombo na saldo comercial que passava a ser negativo.





(3) Abertura econômica na esfera financeira e os juros

Se a política comercial liberada levou a déficits comerciais, o Brasil passava então a ter a sua balança de transações correntes deficitária. Mas o que significa transações correntes? Ela compõe a balança de pagamentos de um país. Confira o quadro que segue:




A Figura que segue mostra os problemas nas transações correntes no Plano Real. Ela será revertida no primeiro mandado de LULA para, posteriormente voltar a ser deficitária.



Então para financiar as transações correntes utilizou-se o expedientes das privatizações bem como de fusões/aquisições  (que se mostrou insuficiente) e dos juros para atrair capitais transnacionais para poder fechar a conta.
Para atrair capitais externos o Brasil desregulamentou o seu sistema financeiro e isentou de tarifas e tributos muitas operações financeiras. Para um país como o Brasil, visto pelos investidores internacionais como um país não dos mais confiáveis, a captação de dólares passa a ser realização com taxas de juros bem mais elevadas do que as praticadas no resto do mundo. Ou seja, trata-se de uma sinalização para os investidores: aqui vocês podem lucrar mais em menos tempo graças aos nossos juros elevados.

(4) Taxa de juros.

Inicialmente tentou-se frear a euforia consumista com aumento de juros. Temia-se que um aumento repentino da demanda sobre a oferta poderia trazer o retorno da inflação. Na verdade o aumento dos juros teve pouco efeito sobre o consumo. Então resolveu-se pela abertura comercial que elevará as importações para forçar a manutenção da baixa de preços pela concorrência de produtos (estrangeiros x nacionais).
Mas a política de juros elevados passa a ser rotina principalmente após a crise do México de 1994. O capital estrangeiro aqui aplicado é retirado às pressas com medo de sofrer contágio. Os investidores em época de crise preferem aplicar seus capitais nas âncoras mais seguras do capitalismo e não em países periféricos. Então, a elevação dos juros buscava atrair dólares para tentar repor reservas em dólar. Nossas reservas caíram, dos 40 bi US$ em 1994, para 29 em abril de 1995 (Tannuri, 2001).
Mas os juros elevados, para atrair dólares, fizeram com que estes inundassem o país (a maior parte eram voláteis ou especulativos, ou se preferir, vagabundos). Isso manteria o câmbio real/dólar nos patamares desejados (com o real valorizado). Assim as importações estariam barateadas o que ajudava a manter a inflação em baixa.



Pelo gráfico visto, podemos evidenciar uma elevação brusca dos juros em 1995 para contenção do consumo (medo de elevação da inflação). Após opera-se uma queda gradual que mesmo assim, manter o Brasil como um dos países com as maiores taxas de juro do mundo.

(5) Privatizações das empresas estatais.

A tese que vigorou durante das privatizações realizadas no período FHC derivaram de uma idéia que a venda do patrimônio seria útil no pagamento de dívidas do Estado brasileiro. Isso não ocorreu. Até o final da “Era FHC”, a dívida externa fora duplicada e a interna octuplicada.



O Programa Nacional de Desestatização – PND, foi responsável, no período de 1991 a maio de 2000, pela privatização de 65 empresas e participações acionárias estatais federais, nos seguintes setores: elétrico, petroquímico, de mineração, portuário, financeiro, de informática e de malhas ferroviárias da Rede Ferroviária Federal – RFFSA.
Até maio de 2000, o programa de privatização (PND, o setor de telecomunicações e privatização estadual) gerou receita total de US$ 91,1 bilhões, inclusive débitos transferidos. (1) 




As privatizações brasileiras, como aquelas que dominaram a cena latino-americana, foram repletas de corrupção, inconstitucionalidade e lesão da soberania nacional. Configuraram um verdadeiro desmonte do Estado, do patrimônio público. Usou-se uma intensa campanha na mídia para desprestigiar o que era público: ineficiência, cabide de empregos, gastos excessivos com funcionalismo, etc. Tudo para entregar ao capital estrangeiro à preço de banana o que o povo brasileiro construiu às custas de seu suor e impostos durante anos. E mais: com ajuda do dinheiro público via BNDES. O BNDES é um banco de fomento ao desenvolvimento nacional criado na Era Vargas.

Seguem importantes obras que revelam o caráter corrupto das privatizações no Brasil. Vale à pena ler para conhecer a fundo este processo.




(disponível em: www.fpa.org.br/uploads/Brasil_privatizado%20II.pdf)



Agora segue um vídeo campanha pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) que fora praticamente doada (vendida por cerca de 3,3 bi US$ sendo que valia mais de 80) em 1997 e atualmente é conhecida como Vale, uma empresa mista (com capitais privados nacionais e estrangeiros e capitais públicos) de capitais abertos (ou seja, possui ações que podem ser comercializadas na bolsa de valores).



Curiosidade: a empresa Vale que vem anunciando lucros recordes está concorrendo ao prêmio da PIOR EMPRESA DO MUNDO. Está entre as 6 finalistas.
Entre bo site e VOTE: http://www.justicanostrilhos.org/


Consequências da primeira fase do Real (1995-99)

Conforme afirma Barros (2002), a estabilidade da moeda, a supervalorização da mesma em relação ao dólar norte-americano, a abertura comercial e a manutenção de uma taxa de juros interna em patamares elevados, gerou uma série de distorções que acabaram por prejudicar, no médio e longo prazo, o desempenho da economia do país.
(Louro e Mota, 2004: 14)

Os ganhos sociais do início do plano, no entanto, aos poucos foram se deteriorando, ganhando destaque seus elementos perversos: recessão, desemprego, elevação das desigualdades sociais, dentre outros. (Tannuri, 2001: 81)



A euforia do consumo fácil aqueceu a economia nos primeiros momentos do plano, mas o Plano Real era geneticamente recessivo, ou seja, não ira permitir um crescimento econômico sustentável. Com os juros elevados (significa que o crédito está caro) ficaria difícil elevar a produção e gerar mais empregos. A privatizações e as suas consequentes demissões desnacionalizam a desaquecem a economia ainda mais. Além disso, o déficit na balança comercial por conta da abertura comercial (ficou muito mais fácil importar) junto com as remessas de lucros da empresas estrangeiras para as suas filiais fez com que o saldo em conta corrente fosse negativo, isto é, saiu muito mais dinheiro do caixa (ou da nossa conta corrente) brasileiro do que entrou. Isso deveu-se em grande parte ao câmbio valorizado, ou seja, o Real estava valendo muito frente ao dólar.

Podemos notar que o governo FHC privilegiou a manutenção da estabilidade econômica (inflação em baixa) à qualquer preço. O preço foi o baixo crescimento econômico por conta dos elevados juros.



A consequência direta de uma política econômica de baixa crescimento é a não geração de empregos que, com a ampliação da tecnologia nos setores produtivos, ampliou o desemprego.


(Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-31572009000400006&script=sci_arttext)

A política de juros elevados para atrair dólares fez com que a nossa dívida aumentasse ainda mais.






Bibliografia
FRANCO, Gustavo. O novo modelo brasileiro.
Disponível em: 
http://www.econ.puc-rio.br/gfranco/isto.htm

FERNANDES, André Eduardo da Silva. Distribuição de renda e crescimento econômico: uma análise do caso brasileiro.
Disponível em:
http://www.senado.gov.br/senado/conleg/artigos/economicas/DistribuicaodeRenda.pdf

LOURO, Gilmara Gerheim Louro; MOTA, Márcia Medeiros. Plano Real: Um estudo introdutório sobre o controle da inflação e suas conseqüências sócio-econômicas, no período de 1994-2002. In: Revista Eletrônica de economia, Juiz de Fora, n°4, setembro de 2004.
Disponível em:
http://www.viannajr.edu.br/revista/eco/edicoes.asp

TANNURI, Aníbal Machado. Plano real: uma visão de sujeição e desajustes. Revista de estudos sociais, ano 3,  n° 5,  2001, 77-88.





Nenhum comentário:

Postar um comentário